sábado, 23 de novembro de 2013

A DIREITA TACANHA DO DIA A DIA

Cena 1: Fico perplexo a cada postagem de Luís Nassif. Ele mantém sincera esperança de que haja no Brasil um opositor ao governo petista, no campo das ideias, com a mesma capacidade de formulação e execução de políticas públicas. Nassif imagina uma arena política onde direita e esquerda se equivaleriam em termos morais e o cidadão se comportaria como o eleitor-consumidor a escolher o melhor produto. Mais espantosa ainda é a crença de que esse contraponto possa ser feito pelo PSDB. A oposição feita pelos tucanos desde o primeiro dia de mandato do PT é negar tudo que eles fazem chegando ao ridículo de condenar quando os juros sobem e quando os juros caem.

Cena 2: Antonio Prata nos brindou com uma peça irônica, "Guinada à direita". Se infiltra nas hostes elitistas e repete a ladainha hidrofóbica contra negros privilegiados com cotas, vivandeiras do Bolsa Família, homossexuais e feministas. Apoios entusiasmados se multiplicaram nas redes sociais, pretexto para todos os bordões de menosprezo ao "crioléu, bichas, feministas rançosas e ao poderosíssimo lobby dos antropólogos". Uma semana depois, teve que se explicar: a realidade está tão grotesca que Prata foi menos "grosseiro, violento e delirante na sátira do que muitos têm sido a sério. Poucos dias antes da crônica ser publicada, um vereador afirmou em discurso que os mendigos deveriam virar 'ração pra peixe'".

Cena 3:  Meu irmão compartilhou esse meme aí ao lado na sua página do face, a partir do perfil "Um quê de Marx". Foi o suficiente para um primo nosso distante dizer que:
1.º Todo marxista sofre de falta de caráter;
2.º Parente ou não, que defende uma ideia que matou 100 mil pessoas é um tremendo canalha;
3.º Que o PT, que todo marxista adora (palavras dele), tem um acordo secreto com as FARC e que o Foro de São Paulo, fundado por Lula e Fidel Castro (palavras dele again), vai espalhar o comunismo pelo continente.

Com esse enredo, me pergunto: por que a direita é tão tacanha?

Explicações mais profundas podem ser encontradas na gênese da colônia de exploração e a utilização da escravidão. Os índios foram dizimados como um entrave ao butim dos brancos. Os negros, seres humanos da base da pirâmide social, eram objetos sem qualquer direito reconhecido. A desigualdade encontrou terreno fértil para se propagar e até hoje vivemos seu rescaldo. Aprendi isso lá pela 8.ª série e qualquer bom livro didático de história do Brasil traz o assunto. Ou trazia, pois a patrulha anti-comunista tem feito todos os esforços para retirar de circulação o material que apresente qualquer risco vermelho aos pupilos. Parte dessa estratégia está no fato da Ed. Abril controlar a distribuição de livros para os estudantes das escolas públicas do estado de São Paulo.

Tive um professor na Faculdade, oriundo da Escola Superior de Guerra (para quem não sabe, celeiro de "próceres" como Castelo Branco, Ernesto Geisel, e o Gal. Golbery do Couto e Silva), que foi o único caso de "intelectual de direita" que conheci pessoalmente: numa conferência reconheceu, à contragosto, dada sua veia militar, que o fim do capitalismo e do socialismo são o mesmo, o comunismo, a sociedade sem classes, sem carência de bens, sem poder político ou econômico dominante. A divergência está no caminho, ou nos meios.

Essa lufada de ar fresco em seu pensamento se deve, talvez, ao curso de pós-graduação em Ciência Política que fez na Universidade de Princeton. Nos EUA também há uma facção direitista tão obtusa como a nossa, representada pelo Tea Party, formado por racistas, defensores do mercado, contrários ao sistema público de saúde e demonstraram sua força na crise fiscal que quase levou o país à moratória. Todavia, em geral, a direita estadunidense é de uma racionalidade utilitária: se assim estão se dando bem, que assim prossiga.

Mas há menos resistência lá do que aqui com relação à cotas raciais e outras políticas inclusivas como bolsas de estudo, assistência social, cotas midiáticas, etc. Aliás, no mundo inteiro a resistência a essas iniciativas que objetivam a promoção da igualdade material, e cuja classificação jurídica varia da prevenção (ação afirmativa) ao mecanismo de compensação (discriminação positiva), é menor do que aqui. Porque a igualdade é um valor perseguido por quase todas as sociedades ocidentais, ao passo que aqui se tem a impressão de um anseio latente pela volta da escravidão. Não por acaso, há vários rankings que nos colocam como os campeões da desigualdade.

Na verdade, o que move nossa direita é a mais profunda ignorância. Ignorância é medo. É o medo de perder suas reservas de mercado. É o receio de ter que dividir privilégios. É o horror do aeroporto apinhado de pobretões. É a mania golpista de não aceitar as derrotas democráticas. É o temor que uma nova ordem destrua as estruturas viciadas. É a inconfessável tara pela bunda da mulata que serve como doméstica. É a fobia de ter que lavar as próprias ceroulas. É o pânico da educação popular. É a covardia de negar ao semelhante o que recebeu. É o pavor da emancipação do povo.

A mim, sinceramente, pouco importa. Enquanto a direita for guiada por Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Ali Kamel, et caterva, nenhuma ideia brotará em seu esteio. A única coisa que prolifera é o número de "entendidos" que ganham páginas nos jornais e tempo na TV para defenderem seus patrões. A segunda geração de imbecis que escrevem à soldo ideias ultrapassadas a, no mínimo, dois séculos, é ainda inferior à primeira. Para eles, igualdade social é coisa de comunista, e os comunistas comem criancinha, invadirão sua casa junto ao pessoal do MST, pintarão a bandeira de vermelho e tocarão fogo nas igrejas.


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